Thursday, April 13, 2006

Diálogos com Ricardo Quadros Gouveia (II)

A conversa continua, em torno de problemas epistemológicos e da relação entre teologia e filosofia. No fim há uma referência à mesa redonda sobre Dooyeweerd na Mackenzie, quando conheci o Fabiano Oliveira.

From: "Guilherme Carvalho" To:
Sent: Friday, January 03, 2003 7:01 PM
Subject: Sobre Dooyeweerd III

Caro professor Gouveia,
>> Tem uma coisa que eu ainda não consegui absorver. Sabe> aquele problema que o VanTil apontou em Dooyeweerd, a> respeito das pressuposições da filosofia? Ele disse> que o caminho que Dooyeweerd usou para identificar> aquele negócio das três idéias transcendentais não> pressupôs explicitamente, desde o princípio, a fé> cristã, estando portanto sujeito à crítica> transcendental por ser um caminho autonomista.> Ou seja: meu problema é, ainda, a questão da relação> da filosofia com a teologia. O próprio sistema de> Dooyeweerd não "pressupõe", de algum modo, o> calvinismo? Por que Dooyeweerd seleciona algumas> idéias (teológicas?) que admite como ponto de partida> da filosofia ao invés de um sistema teológico> completo?>> Paciência, por favor!>> Guilherme.

Olá, Guilherme.Deswculpe não poder responder hoje seus e-mails com mais vagar. Fa-lo-ei na sexta, ok?
Você não toparia vir a SP para ´participar de uma mesa redonda sobreDooyeweerd em nível de pós?
Um abraço. RQG.


Re: Sobre Dooyeweerd
Data:Wed, 26 Feb 2003 14:08:33 -0300

Olá, Guilherme.

> Estou muito agradecido por sua resposta. É que é
> difícil achar um Dooyeweerdiano nesse brasil!

Não tenha dúvidas quanto a isso.

> que você respondeu, vou fazer um monte de perguntas.

Fique à vontade. O único problema é a minha declarada falta de tempo. Eu
sugiro que você ligue, quando quiser uma resposta mais prontamente.

> Mas em algum ponto deve haver uma conexão entre a
> alta abstração e a percepção ingênua. Se as leis
> modais tornam possível a existência das entidades e
> podem ser estudadas, então de alguma forma sua
> formulação na alta abstração deve estar ligada à
> percepção ingênua.

A conexão é o indivíduo. É ele que tem a percepção ingênua e é ele que faz abstrações analíticas.

> O Husserl falou em "intuição das
> essências". E Dooyeweerd? Na certa alguma coisa faz o
> papel - algum mecanismo de percepção das coisas e/ou
> das leis (?).

Se Husserl, de fato, diz isso, ele se mostra com tendências intuicionistas, o que é problemático. Como voce sabe, Husserl é um autor controvertido. Alguns vêem Husserl como um neo-idealista, enquanto outros o vêem como precursor da filosofia analítica. Nada poderia ser mais contraditório. A pergunta sobre Husserl está longe de ser esclarecida.

> De qualquer forma, não vejo como o estatuto
> epistemológico de cada ciência pode ser construído (e
> precisa ser, do contrário, como se distinguirá o
> conhecimento científico da opinião?) sem que tenhamos
> uma epistemologia geral que explique como conhecemos
> as coisas e as leis.

O perigo é você querer construir uma espécie de teoria unificada. Este é o delírio sintetizante dos hegelianos e, no frigir dos ovos, o problema do platonismo clássico. O único estatuto epistemológico válido para todas as ciências é a independência das mesmas dentro da estrutura modal. Cada ciência possui, segundo Dooyeweerd (e isto pode ser uma contradição interna,ou não), um núcleo definidor e um núcleo propulsor.

Nesse ponto é que eu queria saber se Dooyeweerd é incompatível com qualquer tipo de fundacionalismo (especificamente o de Plantinga).

Eu tenho a impressão que sim. Eis por que Plantinga não aprova Dooyeweerd. Há um retorno à tradição platônico-aristotélica em Plantinga, enquanto que HD está (eu acho) decidido a romper com esta mesma tradição filosófica que sempre foi a dominante.

> não precisaríamos explicar, em Dooyeweerd, o
> processo de formação das crenças por meio da percepção
> ingênua, antes mesmo de discutir como cada ciência
> produz conhecimento?

A percepção ingênua é um processo de síntese que se dá a partir da vivência. É um resultado da atuação do cérebro sobre a duração da vivência. Não é preciso explicar o processo de formação da experiênia ingênua a não ser como um capítulo de uma suposta neurociência.

Autor: Ricardo Gouveia
Re: Sobre Dooyeweerd III
Data:
Wed, 26 Feb 2003 14:26:50 -0300

Olá, Guilherme.

Chegou o dia de lhe responder. Desculpe-me a demora.

> Ou seja: meu problema é, ainda, a questão da relação
> da filosofia com a teologia. O próprio sistema de
> Dooyeweerd não "pressupõe", de algum modo, o
> calvinismo?

Eu tenho a impressão que é possível entender esta questão de outra
maneira. O que Dooyweerd faz não é usar algumas doutrinas para fundamentar sua
filosofia, mas sim, promover uma reforma da filosofia que seja coerente
com a impulso reformador do calvinismo. Isto iplica em livrar a filosofia
dos andrajos metafísicos e revesti-la de novas características que
favoreçam e harmonizem-se com a cosmovisão calvinista. Segundo a tradição
kuyperiana, a reforma calvinista não procura somente a reforma da igreja e da
teologia, mas de todas as áreas da vida e do saber, inclusive da filosofia, e
esta está só começando. O que Dooyeweerd percebe é que isto implica em uma
filosofia que promova a autonomia das esferas, em suma, uma filosofia
que se apresenta enquanto metaciência, como scientia scientiarum.

Quanto aos três passos da crítica do pensamento teórico, e a crítica
de Van Til a Dooyweerd, há vários problemas a serem resolvidos. Um deles é o
fato, pouco percebido, de que Van Til entende Dooyeweerd como apologista,
enquanto que HD não pretende fazer apologética e sim filosofia.

> Por que Dooyeweerd seleciona algumas
> idéias (teológicas?) que admite como ponto de partida
> da filosofia ao invés de um sistema teológico
> completo?

Como disse acima, as idéias de Dooyeweerd referentes à crítica do
pensamento teórico, não são teológicas, eu acho. Como HD responde Van Til, este
último confunde transcendental com transcendente. A crítica de Dooyeweerd é
transcendental no sentido kantiano. Isto é, ele está fazendo meta-filosofia, como o próprio Kant na KrV (CRP). Já Van Til parte de um ponto de vista religioso, o que HD chama de transcendente, que eu acho que ele define como "não-racional".

Até mais. RQG


De: "Ricardo" Para: "Guilherme Carvalho"
Assunto: Re: Sobre Dooyeweerd III
Data: Wed, 26 Feb 2003 14:37:39 -0300

Oi, Guilherme.

> No dia 15/04 eu posso.

Ficamos, a princípio, com esta data.

> Mas preciso saber como será, o
> que será discutido, e de que forma eu vou participar -
> é que aqui na FATE eu não posso sair sem apresentar
> uma justificativa.

A idéia é uma mesa redonda com eu, você e o Fabiano Oliveira. Eu vou ser uma espécie de moderador. O alunos já terão tido uma ou duas aulas sobre Dooyeweerd. Eu faria as seguintes perguntas:

1. Na sua opinião, qual a importância de Dooyeweerd para a o pensamento reformado hoje?
2. Quais são os aspecos do pensamento de Dooyeweerd que mais lhe chamam a atenção?
3. Quais são as questões que lhe incomodam, no momento, na sua reflexão sobre a filosofia reformacional?
4. Que estudos você está desenvolvendo ou pretende desenvolver em sua pesquisa acerca de HD?

Depois disso, abriremos para perguntas da classe. São treze alunos em um programa de pós-graudação em ciências da religião.

> Sei que você anda apertado, mas será que poderia
> tentar responder a alguma de minhas perguntas? :-)

Eu já respondi. Se houver outras perguntas, pode mandar.

> Uma aluna minha da graduação está com um projeto de
> escrever sua monografia final (2003) sobre Marx numa
> perspectiva Dooyeweerdiana (ela estudou filosofia na
> PUC antes). Estamos pensando em tentar expôr o ponto
> de partida religioso do pensamento de Marx por meio de
> seu conceito de estado. Eu consegui encomendar o livro
> de Van der Hoeven sobre Marx. Você tem alguma idéia
> para o projeto? E tem alguma bibliografia que
> poderíamos utilizar? Parece que os evangélicos não
> gostam de mexer com o homem...

Não tenho idéias claras sobre o projeto. É um bom projeto, no entanto. Seria
interessante ela dar uma olhada nos textos dooyeweerdianos de filosofia social e política. Eu tenho alguma coisa. Parabéns pelo trabalho. É importante comparar com outras abordagens também, como a de Tony Campolo em "We've met the Enemy, and they are partly right" e de Alasdair McIntire "Christianity and Marxism", por exemplo.

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