Em Dezembro de 2002 eu travei um diálogo com o Dr. Ricardo Quadros Gouveia, que me ajudou bastante. Gouveia é um dos poucos Dooyeweerdianos brasileiros que conheço. Nós nos encontramos algumas vezes em Sampa, depois dessas conversas, e daí nasceu a esperança de uma futura "Sociedade Brasileira de Filosofia Calvinística", ou de uma "Sociedade Dooyeweerd do Brasil" que, por enquanto, está sendo "esperada"...
Não consegui recuperar todas as mensagens, mas o essencial está aí. A fala do Ricardo aparece sempre em itálico, intercalada com meus comentários.
Caro professor Ricardo,
Estou muito agradecido por sua resposta. É que édifícil achar um Dooyeweerdiano nesse brasil! Agora que você respondeu, vou fazer um monte de perguntas. Sobre a minha pergunta teórica: não sei se entendi bem a atitude de Dooyeweerd com respeito à razão. Para ele a ciência (alta abstração) focaliza o lado de Lei da realidade ao invés das entidades (que a percepção ingênua privilegia). Então cada ciência "pura" vai focar uma esfera modal, e as leis daquela esfera. Mas em algum ponto deve haver uma conexão entre a alta abstração e a percepção ingênua. Se as leis modais tornam possível a existência das entidades e podem ser estudadas, então de alguma forma sua formulação na alta abstração deve estar ligada àpercepção ingênua. O Husserl falou em "intuição das essências". E Dooyeweerd? Na certa alguma coisa faz o papel - algum mecanismo de percepção das coisas e/oudas leis (?).
De qualquer forma, não vejo como o estatuto epistemológico de cada ciência pode ser construído (e precisa ser, do contrário, como se distinguirá oconhecimento científico da opinião?) sem que tenhamos uma epistemologia geral que explique como conhecemos as coisas e as leis. Nesse ponto é que eu queria saber se Dooyeweerd é incompatível com qualquer tipo de fundacionalismo (especificamente o de Plantinga). De um modo ou de outro não precisaríamos explicar, em Dooyeweerd, o processo de formação das crenças por meio da percepção ingênua, antes mesmo de discutir como cada ciência produz conhecimento?
De novo obrigado.
Prof. Guilherme Carvalho
--- Ricardo escreveu: >
Olá, Guilherme.
Sim, lembro-me de você. Como vai?
> > > escrevendo porque eu e alguns professores estamos> > iniciando um núcleo de estudos de orientação> > kuyperiana-dooyeweerdiana em Belo Horizonte.
Eu considero isto surpreendente. Acho excelente, no entanto, e quero me colocar à disposição do grupo para consultas, palestras ou participação em pesquisa.
>>Gostaria de receber alguma ajuda sua e de estar em> > contato, se não se importar, é claro.>
Não me importo.
> > Prá começar, eu gostaria de saber como me> afiliar> > àquela associação dooyeweerdiana internacional que> > você apresentou para nós no curso. Você pode> enviar> > alguma informação?> >
Posso, mas não já. Eu não tenho as informações aqui comigo. Não é fácil entrar em contato com a associação. Eles são um pouco desorganizados.
> > > Agora uma pergunta teórica: parece que> Dooyeweerd> > recebeu alguma influência de Husserl.> >
Sim. É certo que sim. Ele mesmo afirma isso.
> > > num debate com Frege pois este buscou fundar a> > matemática na lógica, contradizendo Kant (que por> sua> > vez fundava a matemática na intuição das formas;> seria> > um dos "a prioris").
e com outros neokantianos que faziam reducionismos, como seu próprio mentor, Brentano.
> > > Com a intuição das essências Husserl buscou salvar as ciências dando a elas uma fundação ontológica e epistemológica.
Husserl tentou salvar as ciências com a fenomenologia, que abre mão do bidimensionalismo kantiano, não retornando à ingenuidade epistemológica pré-kantiana, mas indo além de Kant, reconhecendo no fenômeno a própria coisa-em-si, isto é, o númeno.
> > > Pois bem: não é difícil perceber as conexões> com a> > teoria das esferas modais de Dooyeweerd, sua> crítica> > aos reducionismos, sua afirmação da transcendência> do> > sujeito.
Sim.
Mas gostaria de saber:> além> > da semelhança geral na ontologia, o Dooyeweerd tem> um> > equivalente da "intuição das essências"? Como ele> > funda epistemologicamente as diversas ciências?> Quero> > dizer, como ele passa da ontologia à justificação> > metaepistemológica de uma determinada ciência? Com> > algum "a priori" de inspiração kantiana?
Não, com uma atitude humilde em relação á razão humana, pois o grande> problema do pensamento moderno, seja ele de cunho iluminista ou de cunho fundamentalista (ou fundacionalista), está em superestimar a razão. As ciências são simples recortes abstratos da efetividade sendo que esta última não é jamais apreensível na sua totalidade. São, no entanto, as ciências que produzem conhecimento, e não a filosofia, que é apenas a ciência das ciências, portanto, propedêutica. A grande diferença entre Husserl e Dooyeweerd está no fundamento teísta do pensamento dooyeweerdiano. Mas veja, não se trata de neo-tomismo nem de teologia natural. Isto tudo deve ser abandonado junto com a metafísica clássica como peças de museu. A proposta dooyeweerdiana é entender a Jesus Cristo ou a cristicidade (o pensamento de Dooyeweerd é cristocêntrico) como ponto arquimediano. O único apriori, para Dooyeweerd é Jesus Cristo. Toda teologia é apenas um aspecto ou recorte da efetividade, uma perspectiva e nada mais.
> > > Outra pergunta: a teoria de Plantiga a respeito> das> > funções próprias na formação das crenças poderia> > ajudar aqui? De qualquer maneira, eu gostaria de> saber> > se é possível fazer uma conexão entre plantinga e> > Dooyeweerd.
Sem dúvida é posível. Há um estudo de Scott Oliphint, de Westminster, sobre a questão. Na verdade, Plantinga não é harmonizável com Dooyeweerd por causa dos elementos neo-positivistas de sua reflexão. Ele tem conseguido manter relações mais produtivas com os neo-tomistas que com os dooyeweerdianos ou reformacionais.
> > > Não estou dizendo nada, só "jogando verde"!
Você está dizendo muito, demonstrando plena capacidade de estudar a fundo estas questões. Isso é ótimo. Mantenha o contato e vamos em frente. Não sou mais professor do Andrew Jumper, é bom que você saiba. As mudanças políticas na IPB desde a eleiçõa de julho fizeram com que eu fosse destituído de minhas funções lá. Agora estou na Universidade Mackenzie, onde fui absorvido, graças à organização, no apagar das luzes, do programa de mestrado em ciências da religião. Aqui no ciências da religião, enfocamos o pensamento reformado, e Dooyeweerd é sempre um dos temas de meu curso de temas contemporaneos na tradição reformada. Também quero ver se estimulo alguns alunos a escrever teses sobre ele. Veremos. Enquanto isso, fico aguardando ter tempo de escrever sobre Dooyeweerd eu mesmo. Um livro de introdução, eu penso. Agora não dá, porque estou trabalhando em minha tese de doutorado em filosofia, acerca do conceito de repetição em Soren Kierkegaard. Um abraço. RQG. PS - procure meu livro, "A Palavra e o Silêncio", que eu acho que você vai gostar.
Thursday, April 13, 2006
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